domingo, 7 de dezembro de 2014

VIAGENS


          Terminais rodoviários no Brasil, de modo geral, rescendem a... pastel frito! E muitos hão de concordar comigo: nada como um bom pastel de rodoviária antes de viajar. Irresistível! Nessa hora, dane-se o colesterol alterado, a gordura saturada e outros pruridos de mesma ordem. A massa, bem sequinha, crocante, estala por entre os dentes e aí vem o melhor: um recheio bem temperado, agindo, primeiro, sobre as células do olfato para depois, lubricamente, seduzir nossas papilas gustativas irremediavelmente. Os olhos se fecham e um suspiro de puro gozo completa o prazer. 
          Tenho frequentado terminais rodoviários com certa frequência ultimamente e, para além da degustação dos pasteis, observo o movimento frenético de ônibus e gente que, provavelmente, não verei de novo, cada um com seu destino e sonho. Lembro-me sempre – e fico cantarolando! - da canção de Milton Nascimento, Encontros e Despedidas, a qual traduz tão poeticamente o ir e vir dos viajantes. 
          Este sábado, dia 29 de novembro de 2014, estava eu no terminal da cidade de Mariana, sozinha, como habitualmente, aguardando o primeiro ônibus da Viação Pássaro Verde que me levasse “voando” para Belo Horizonte, onde deixaria minha pesada bagagem de livros, almoçaria e de onde partiria novamente, desta vez para o sítio na Serra da Moeda, onde agora me encontro, apreciando o recorte das montanhas, o verde viçoso tomando tudo, depois de alguns dias de chuva, e escrevendo estas linhas.
          Tive companhia na primeira parte do trajeto: uma jovem estudante da UFOP, do curso de Pedagogia, e seu filho, autista, Miguel. Provavelmente, ela procurava alguém com quem conversar e achou em mim a pessoa certa, já que aprecio uma boa prosa, e, também, por termos algo em comum, que acabou sendo o tema principal de nossa conversa: a maternidade “especial”. Até Itabirito, onde ela foi passar o fim de semana com o atual namorado, falamos também de cursos, escolhas e formação profissional. Foi interessante, porque nem sempre encontramos gente cuja conversa renda e o tempo passou sem que ambas percebêssemos.
          O resto da viagem, depois que Viviane chegou a seu destino, foi um agradável recordar. Na noite anterior, havia participado do 3º. Encontro Anual dos Poetas Aldravianistas na cidade de Mariana. Noite perfeita. Uma sessão solene, com o lançamento d’O  Livro I das Aldravipeias, a primeira forma poética genuinamente brasileira, que nasceu ali, naquela cidade histórica que foi a primeira capital do estado de Minas Gerais e também  o berço de tantos expoentes da literatura e das artes brasileiras. Logo após, cada um dos autores presentes declamou algumas de suas aldravias, os autores das cinco aldravipeias que se destacaram foram laureados com  a comenda Cláudio Manoel da Costa, da SBPA e da ALACIB, novos membros da SBPA foram empossados e seguiu-se um jantar caprichado de congraçamento, tudo muito bem temperado com boa conversa, alegria e música de qualidade. Em um espaço pequeno e aconchegante, o restaurante Lua Cheia, coube o Brasil quase todo: Minas Gerais, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Bahia, Paraná, Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul e São Paulo – não tenho certeza se faltou ou sobrou algum estado...
          Sou poeta aldravianista, fiz parte dessa festa e vim embora feliz. Depois de tudo, digo com convicção: 2014 é um ano para ficar em algum cantinho especial da memória. A retomada de um sonho, o retorno da dedicação, novas amizades e portas se abrindo. Que venha 2015, estou pronta para embarque!


Em tempo: enquanto não chega, chupo jabuticabas e “viajo” contemplando o céu...
29/11/2014

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

2014: DOIS MESES, AINDA...

(imagem do google)
         2014. Ano que vem confirmar uma palavra de uso corrente: atípico.
        Começou com pouca chuva ou excesso dela, dependendo da região. As safras de milho e feijão de pequenos produtores perderam-se, irremediavelmente. Tenho conhecimento disso porque meu marido e eu, que plantamos apenas para consumo próprio, colhemos quantidades ínfimas, que mal chegaram a nos abastecer por dois únicos meses. Dinheiro jogado fora com insumos, ainda que mínimos.
          A seguir, o país transformou-se em um canteiro de obras, muitas delas mal feitas ou inacabadas, com vistas à chamada, por excesso de ufanismo e marketing, de “Copa do Brasil”. Se, de um lado, via-se a euforia de quem esperava faturar com o evento, de outro ficou evidente a insatisfação de extrato significativo da população com os gastos astronômicos, superfaturados, para sediar o mundial e os escândalos políticos, ocorrendo paralelamente no mais alto escalão da administração pública, que resultaram em manifestos de rua e, para variar, muita quebradeira. Feita por gente supostamente infiltrada, para desqualificar o protesto. Sabe-se lá!... Resultados pífios para tanta expectativa: o time brasileiro, completamente perdido e apático em campo, sofreu derrotas fragorosas, enquanto a presidente era vaiada em suas aparições nos estádios. Mais tarde, uma das obras tocada às pressas, com erros de cálculo e execução, ruiu em Belo Horizonte, uma das cidades-sede, deixando um saldo lamentável: duas mortes, inúmeros feridos, transtornos vários para residentes do entorno e prejuízo generalizado para todos. Além do velho “jogo-de-empurra” para apurar responsabilidades.
          Nem bem saímos desse conturbado cenário, começou a campanha para uma grande eleição, com cinco modalidades de cargos públicos à disposição de milhares de candidatos. Logo de início, um lamentável acidente aéreo, de causas ainda obscuras, levou a óbito um candidato com forte perspectiva de tornar-se presidente do Brasil. Sua plataforma era mudar o país, após o forte desgaste da atual administração, acusada de envolvimento com desvio de quantias extraordinárias de dinheiro da nossa maior estatal, fato que a derrubou perigosamente no ranking das grandes empresas mundiais, espantando investidores estrangeiros. Após a morte de tal candidato, acirraram-se as discussões, ao tempo em que a campanha seguia, marcada por mentiras e golpes rasteiros, que se intensificaram com a ida inesperada para o segundo turno da chamada candidatura de oposição, contra a candidata da situação reivindicando um novo mandato. A palavra que, de fato, marcou as últimas três semanas de propaganda e debates foi “mudança”, nas trocas de ideias entre pessoas. E que acabou não ocorrendo, quando, em disputa apertada, voto a voto, os brasileiros acabaram por sufragar o continuísmo, o “mais do mesmo”, cada um movido menos em torno de um projeto de país e mais por seus próprios interesses, embora se ocultassem por trás de um discurso fake de que o fizeram “pelo bem do Brasil, dos pobres e dos oprimidos”. No qual me permito não acreditar.
          Após a reeleição, difícil, veio a público a Presidente da República afirmando, entre outras coisas, que “venceu o amor”. Não foi o que vimos. O que se constatou foi muito ódio, o libelo entre um e outro lado, a radicalização a tal ponto de se ressuscitar um velho discurso separatista, há muito guardado no fundo de algum baú da história. De quem a culpa? A grande mídia, para variar, não se manifestou: usou a velha técnica da avestruz, para nada ver e não se envolver. No entanto, nas redes sociais, território ainda razoavelmente democrático, indícios, e até evidências, apontaram para o partido do governo federal e seus prosélitos, que tanto incitaram o rancor entre classes sociais, etnias e gêneros. Para além disso, testemunhamos o término, doloroso e permeado de ofensas, de muitas relações interpessoais.
          E agora? A questão do abastecimento de água persiste e se agrava de modo aterrador. Na política, é banido um decreto presidencial que tiraria do parlamento o poder constitucional de voto e veto e regularia o uso dos meios de comunicação de massa, em favor de uma ditadura radical de esquerda; fortalece-se a oposição, a partir do resultado das urnas;  o povo vai às ruas, de novo; pipocam pedidos de recontagem de votos, sob a alegação de fraude; e recrudesce o clamor por impeachment da presidente eleita e intervenção das Forças Armadas. Boataria de todos os lados garante a discussão sobre a legitimidade de tais reivindicações, se são reais, ou apenas infiltradas para desqualificar  e enfraquecer as manifestações. E o ânimo dos cidadãos não arrefece, sinalizando uma vontade forte de tomar as rédeas nas próprias mãos.
          E eu pergunto: o quê mais virá neste ano de 2014, que ainda não acabou?

sábado, 4 de outubro de 2014

PROTOCOLOS DE VIVER

          “Tenha um bom dia, senhora. A ETC. & TAL agradece a sua ligação. Aguarde, por gentileza, para ouvir o seu número de protocolo.” Uma voz masculina metálica, com requintes de fala humana, cheia de gentileza impostada, passa a ditar uma série quase infinita de algarismos, pergunta se é necessário repetir e, ao final, desliga automaticamente na minha cara.
          Penso, aflita: fui abduzida! Perdida, irremediavelmente, em um planeta protocolar... Após o primeiro impacto e uns poucos minutos de reflexão percebo que vivemos, todos, uma vida protocolar. Não foi sempre assim. Antes da disponibilidade infinita de tecnologia para todos os usos e abusos, nossas relações interpessoais eram menos formais e mais espontâneas. Menos virtuais e mais reais. E, sem dúvida, com um pouco mais de calor.
          As vendas, por exemplo. Desde a época das feiras de rua e dos armazéns hoje substituídos pelos sacolões padronizados, até os grandes magazines e, mais adiante, os hipermercados e os shopping centers, tudo era feito pessoalmente, um jogo entre a capacidade de convencimento de quem vendia e o tamanho do sonho de quem comprava. Geralmente vencia o vendedor, preparado para convencer o consumidor sobre as qualidades do seu produto. Antes, o escambo e a barganha. Mais tarde, a pechincha, o pedido de desconto no pagamento à vista, as possibilidades oferecidas pelos cartões de débito e crédito, os juros agregados a prestações “a perder de vista” e vai por aí. Em todos os modelos, o contato com o outro determinava as relações de consumo. Na maioria das vezes, o negócio resultava bom para todos.
          Aí surgiram as empresas virtuais, vendendo de tudo com um simples toque dos dedos. As imagens ainda reproduzem o antigo formato: há um ícone de um carrinho de compras para ir-se enchendo com os itens que desejamos comprar. No caso de roupas e calçados, não há como experimentar, mas o Código de Defesa do Consumidor está aí para garantir a devolução ou troca em até sete dias úteis após o recebimento do produto. Isto vale também para todo tipo de mercadoria, de medicamentos a lingerie, de eletrodomésticos a livros, estes últimos agora também em versões eletrônicas; enfim, infinitas oportunidades literalmente na ponta dos dedos. 
          Provavelmente em razão deste modelo de consumo, também nos tornamos “gente protocolar”. Houve um tempo, não muito distante, em que os encontros aconteciam sem maiores arranjos, naturalmente. As pessoas se viam, juntavam-se e iam ou para um local público ou para a casa de alguém, a fim de ouvirem música, baterem papo, verem um filme, degustarem alguma coisa, tudo sem combinação prévia, ao gosto e ao jeito do prazer de estarem juntas. O telefone era usado para trocas de ideias, receitas, mazelas e conquistas. Mas não substituía o encontro.  Hoje, somos “melhores amigos de infância” virtuais e até chegarmos ao “olho no olho” vai um longo caminho, cheio de regras e protocolos a seguir.
          Sexo, algo tão instintivo, carnal, também tornou-se “protocolar”. Entra-se em um bate-papo virtual, sugere-se as preferências de cada um, contam-se mentiras que nem de longe se parecem com as saborosas fantasias eróticas de outros tempos. Formam-se os casais, ou os grupos, dependendo do gosto, e inicia-se uma masturbação mais mental que física, com todas as “vantagens” que a solidão pode proporcionar. Afinal, o protocolo também protege contra relações mais afetivas, mais compromissadas, ou seja, nos protege do amor. Resta-nos o vácuo, difícil de ser preenchido, porque somos criaturas, em princípio, gregárias e necessitamos do toque do outro para nos sentirmos vivos, plenos. Para construirmos histórias.
          Cogito, ergo sum. Fico imaginando até onde chegaremos, em um mundo cada vez mais fake. E até quando nos enganaremos com a possibilidade aparentemente – apenas aparentemente – fascinante de fugirmos do confronto com nosso eu verdadeiro e com o outro, nosso espelho a refletir quão solitários somos todos nesta incrível e aleatória jornada planetária. 

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

ÁGUA

(imagem do google)
Água 
que
desce
dos
olhos,
rio de incerteza,
nascente de esperança.
O resto são pedras roladas,
assim como a vida.
(Angela Cristina Fonseca, setembro de 2014)

terça-feira, 16 de setembro de 2014

ELA

Só sedução. É do que ela gosta. Mais que do frêmito do desejo ou do gozo do enlace carnal. Assim: homens torcendo o pescoço ou colidindo postes, na tentativa de acompanhar seu passo ensaiado. Olhares que devoram a possibilidade. Ela gosta.
Seu olhar, esverdeado, mescla de enfado e desprezo irônico, atiça libidos. Na boca, o sorriso lascivo, vazio de outras intenções que não a pura provocação. Perversa!
Quando jovem, era, digamos, uma morena de parar o trânsito. Cabelos longos, anelados; olhar felino; corpo com as curvas certas. Já era consciente do prejuízo que causava aos egos masculinos. E mal se importava. Deixava-se cortejar... e nada! Chegou a namoriscar uns rapazes, casou-se com dois deles – tinha especial predileção por babões e malvados – mas, na maior parte das vezes, era o jogo que a interessava.
Inexoravelmente, entretanto, esvai-se o tempo. Para alguns, de maneira impiedosa, enquanto, para outros, de forma um tanto mais generosa. Ela se enquadra na segunda categoria. Aos 60, a pele é suave, amorenada, sem manchas; os olhos ainda possuem brilho e intensidade; o corpo ganhou volume discreto, porque não passou pela maternidade. Sua vaidade hoje, curiosamente, é de outra estirpe. Orgulha-se dos neurônios. Intactos. Inteligência não lhe falta, bem como rapidez de raciocínio e flashes instantâneos de compreensão e interpretação do mundo, macro e micro. Leu muito, a vida toda, e tem um repertório invejável de cultura. Transita com facilidade e donaire entre idiomas diferentes, sem perder o foco e as sutilezas. 
No entanto, fascinar ainda é seu esporte predileto. Quando sai, o que não acontece com muita frequência, volta a vestir a personagem e vai, suavemente, espargindo resquícios de feromônios por onde passa. Majestática. Porém, fingindo indiferença. Maior a experiência, mais aprimorada a perversidade. Compensação, talvez, para a perda do antigo glamour.
Fico imaginando que prazer exótico advém de tão estranha compulsão. Já ela... ah, ela segue sua existência insistindo em erotizar sonhos alheios. 
Angela Cristina Fonseca, 16/09/2014

domingo, 14 de setembro de 2014

DE REPENTE... OS IPÊS!

Novos textos dialogando. Desta vez é a poeta Marília Siqueira Lacerda, que fala dos ipês com o mesmo amor mineiro que temos por esta legítima representante de nossa flora, quem me honra com a permissão para que um poema seu seja postado aqui, junto com a minha crônica. Grata, Marília.
(imagem do google)

SURPRESA AGRADÁVEL
Angela Cristina Fonseca - 07/08/2014

O centro comercial da cidade de Belo Horizonte, como o da maioria das capitais brasileiras – há honrosíssimas exceções! -, não é bonito. Carros demais, ônibus demais, ar poluído demais, gente demais andando sem rumo, excesso de ruído, enfim, tudo meio caótico. Mas… o consultório da minha dentista de muitos anos é em pleno coração do centro, a praça Sete. Sete o quê mesmo? Sete de setembro, dia da proclamação da independência do Brasil por Pedro I, um português. 
Lá fui eu cuidar do sorriso. Aproveitei, então, que estava no centro da cidade e perambulei um pouco: fui ao banco, à papelaria e a uma loja de frutas na Rua Tamoios que é um achado: vende frutas comuns e exóticas, verduras e legumes orgânicos e onde se pode tomar um suco de misturas de frutas variadas, preparado na hora, simplesmente delicioso, por R$3,00. Cansada, já voltava para casa, quando, em plena esquina barulhenta, suja e feia, surge, resplendente, um ipê rosa imenso, coberto de flores. Parecia escandalosamente deslocado em meio ao caos, porém dono de uma imponência inquestionável. O mais curioso é que por ele passava gente apressada, fisionomia carregada, sem perceber que o ipê estava ali e que bastaria um olhar para desanuviar qualquer semblante. Passei por ele e, vaidoso com o olhar embevecido que lhe dirigi, deixou cair uma flor no meu cabelo despenteado pelo vento. Cumplicidade absoluta.
Pensei: ipê é uma planta perseverante, que cresce e floresce e encanta nossos olhos nos lugares mais inóspitos e até em meio a condições adversas – faz tempo que não chove em nossa cidade! Aí pensei também na Luz maior, aquela que vela por todos nós enquanto andamos ao acaso, despreocupados, e que veste com luxo as árvores para enfeitarem nosso caminho.
Bem, a primavera vem chegando. Como nosso clima anda alterado, a natureza reage com certa confusão: mangueiras e jabuticabeiras floridas antes do tempo são um sinal. O lado bom é que lá estão também os ipês, por todo lado, a nos dizer que, se nem tudo são flores, eles garantem o espetáculo.
Bons ventos soprem para nós!

TEMPO DOS IPÊS
Marilia Siqueira Lacerda - Ipatinga-MG

Ouço o cair da chuva
de encontro às folhas
expostas ao tempo.

(Linguagem silenciosa,
intermitente e inviolável.)

Testemunho distraídos
e discretos raios de sol,
por entre frestas de nuvens
abertas ao vento.

Impressiona-me
o tempo dos ipês,
o sorriso das flores
e o convite,
para admirar o sol
se esconder,
opaco,

por detrás das serras.

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

QUATRO MÃOS E DUAS CRÔNICAS


(imagem do google)

Muito bom quando encontramos alguém que partilha - e desfruta conosco! - um mesmo interesse. Há alguns meses escrevi sobre o prazer de enviar cartas. Em papel e envelopadas, como nos velhos tempos. E agora vem a minha querida amiga e escritora Andreia com uma crônica sobre o mesmo tema. Pedi licença a ela para postar aqui o seu texto, junto com o meu. Penso que muita gente, que também gosta de escrever e receber notícias mais pessoais e menos "uniformizadas", irá concordar conosco. Em tempo de mensagens curtas e quase sem emoção, a boa e velha carta ainda tem valor imenso para um grupo significativo de pessoas. Voilà!

aki naum paramos d escrever
o q eh d+
Angela Cristina Fonseca

Tenho saudade de escrever cartas. De ir à papelaria atrás de bloco pautado e envelope. Aqui um parêntese: visitar papelaria sempre foi, para mim, uma aventura sensorial. Gosto de papel, acaricio para sentir a textura; encanto-me com os mais variados tipos de cadernos, blocos, pastas organizadoras, em cores e formatos diferentes; adoro as novas engenhocas usadas para apontar lápis, grampear e clipar, a cada dia mais atrativas; as caixas, de todos os tamanhos e padrões, lindas, de encher os olhos: os lápis – sempre os B’s! -, de maciez variável, respondendo ao toque das mãos, firme ou suave. E os cheiros... ah, os cheiros!... Na verdade, aromas, quase feromônios para minhas narinas irremediavelmente seduzidas... Fecho parêntese.
A última carta pessoal que escrevi data de 2009. O destino, inusitado. Um amigo-irmão, professor de literatura portuguesa, fora passar dois anos na Croácia. Leitorado na Universidade de Zagreb. Conversávamos quase semanalmente no skype, pelo prazer de podermos nos ver. Trocávamos e-mails também, quando havia material didático interessante para compartilhar. Mas, as cartas, não muitas, faziam parte expressiva de nosso repertório de comunicação. É interessante: esse mesmo amigo já viveu umas tantas vezes fora de Belo Horizonte, depois que nos conhecemos. Ausências sempre ligadas à carreira acadêmica. E sempre trocamos cartas. Poucas, a bem da verdade, porém extraordinárias. A primeira parte era constituída de pequenos contos ou crônicas a respeito do que nos acontecia no cotidiano, entretanto, narrados na terceira pessoa, como se outras fossem as personae. Só depois vinha a parte, digamos, mais social e prosaica. Eu adorava.
Outro amigo, artista plástico, ilustrava suas cartas com seus desenhos, que, de tão primorosos, inspiraram-me a ideia de realizar uma exposição, intitulado CARTAS, com aquelas obras de arte. A qual acabou não acontecendo, infelizmente.
Já escrevi muitas cartas nestes meus quase sessenta e seis anos de vida. A maioria à mão. Foi um longo tempo sem computador (não havia, ainda!) e outro tanto, anteriormente, sem máquina de escrever (que só pude comprar já adulta, com o fruto do meu trabalho).
Fico pensando nos jovens de hoje e suas máquinas touch screen. A sensibilidade ao toque não substitui a sensibilidade amorosa de trocar cartas: o prazer de fechá-las como se fossem um cofre cheio de segredos; de colar os selos, que já foram verdadeiros objets d’art miniaturizados; de ir aos Correios, postá-las; e, depois, conferir diariamente a caixa postal, na expectativa de uma resposta.
Vivemos um tempo acelerado, de msgs curtas e cheias de códigos, abreviaturas e ícones. Como no título que dei a este texto.
Estou envelhecendo. Vejo abreviar-se o meu tempo de permanência no planetinha azul, embora não arrefeça o meu desejo de escrever. Venho, então, buscando as referências do meu passado. Lembro-me do dia em que fui enviar a tal carta para a Croácia, com um endereço cheio de palavras estranhas, e o funcionário da agência comentou: “Nossa, nunca tive nas mãos, até hoje, qualquer correspondência para o leste europeu!...”
É por causa destes pequenos eventos que volta, sempre, a saudade de escrever cartas...


CARTAS

Andreia Donadon Leal
Cartas me emocionam, sim! Lembro-me da época em que estudei a clássica carta de Pero Vaz de Caminha, descrevendo ao Rei de Portugal as belezas e riquezas imensuráveis encontradas no Brasil. Imagino o deslumbramento dos descobridores; as expressões de encantamento e fascinação pelo país tropical... Não foi somente nos estudos que me fascinei pelo gênero epistolar. Na infância, verificava a caixa postal de casa, a pedido de meus pais. O que me fascinava era o envelope não tão branco, com marcas de cola, dedos, canetas, com selos coloridos; a curiosidade se aguçava ao ler o nome do remetente e ‘carta social’. Certamente pensava que o vocábulo significa coisa ‘importante’... O envelope poderia trazer boas ou péssimas novas, que mudariam nossas vidas para melhor, ou não... Uma vez recebemos carta em que comunicava a transferência do meu pai de Itabira para Vitória-ES. Carta burocrática, alguém explicou. A meninada chorou horrores, quando pai leu a missiva burocrática, pausadamente. Estranhamento e insegurança com o desconhecido. Primeiro pânico: perder os amigos da escola... Segundo pânico: experimentar algo novo... Mal sabíamos que lá teríamos boas surpresas. Mal sabíamos que lá, viveríamos confortavelmente em casa espaçosa e de frente para a praia. Mal sabíamos que lá veríamos o mar, tão perto, ao alcance das mãos e de nossos corpos desejosos das águas do oceano. Mal sabíamos que lá, aprenderíamos a nadar. Mal sabíamos que lá, viveríamos a melhor época de nossas vidas. Carta burocrática chata, abençoada! Nem sempre recebemos boas novas... Isto é fato, mas aqui relato o que ficou guardado na memória, e hoje faz parte de lembranças que faço questão de contar.
Recordo-me, ainda, de outras que cheguei a receber. Na infância e adolescência recebi apenas duas missivas, devidamente envelopadas e seladas; de uma amiga de Itabira e de um conhecido de Santa Bárbara. A internet não estava ao meu alcance; não havia nem e-mail, nem redes sociais.
Cresci e conheci e-mail. Que coisa sofisticada, mas a desconfiança bate à porta quando as coisas estão no início. Estranho ler carta em tela luminosa. Custei a me acostumar com a facilidade do e-mail. Custei a me acostumar com a velocidade dos comunicados e informações... Custei, mas finalmente, gostei de poder escrever mais e mais para amigos, parentes e pessoas conhecidas, que não via havia tempo. O correio eletrônico, sem dúvida, facilitou o envio de cartas e encontros... 
No final da universidade, isso já com meus vinte e oito anos de idade, tive o ímpeto de escrever cartas-poemas para meu ex-professor, que hoje é meu marido há doze anos. Não por e-mail, mas pelo correio tradicional, com bordados feitos à mão, letra caprichada, com direito a gotículas de perfume. Não sei o número de cartas, mas certamente foram tão eloquentes e apaixonadas, que chegaram a atingir o objetivo: laçar o moço pelas palavras...
Mudei-me para Mariana quando me casei. A paixão pela escrita e leitura sempre fizeram parte de minha vida. Corri atrás do sonho, de poder ilustrar palavras em jornais, revistas e livros... Com o passar dos anos e à medida que escrevia e publicava mais livros, comecei a receber mais cartas eletrônicas e/ou postadas pelo correio tradicional. Impressões, críticas e relatos sobre obras, personagens dos livros, etc. Recebi de inúmeros lugares, desde os mais improváveis ou inesperados. Algumas vieram de sistemas prisionais, talvez por distribuir grande parte dos exemplares para entidades culturais, filantrópicas, bibliotecas públicas e comunitárias e em escolas, etc. Mas, cadê a emoção nisto tudo? A carta que mais me tocou. A carta das cartas. A carta que informava possíveis modificações. As cartas com depoimentos intrigantes que valeriam a pena relatar neste texto. Não, não tenho este objetivo. O que me emociona profundamente é quando alguém ou algum fato consegue me tocar ao ponto de lembrar fatos do passado. Isto sim, vale a pena contar.
Receber cartas que falam da paixão de ler um livro, passagens de determinadas estórias, encontros e aprendizagens com personagens, etc... Estas me emocionam muito, pois me fazem lembrar a época em que estudei a de Pero Vaz de Caminha, que descrevia o deslumbramento e fascinação pelo novo, ou as que eu mesma escrevi no final da universidade para meu professor, com desejo de conquistar o amor, através das palavras...
Hoje, tive o prazer de receber em minha caixa postal, cartas devidamente envelopadas, seladas e com diversos desenhos, falando sobre impressões dos alunos de zona rural, sobre um livro meu de estória juvenil. Penso que muitos escritores recebam convites e missivas de alunos. Normal. No entanto, todos os remetentes tinham o desejo de tocar a sensibilidade da escritora, com frases e textos bem engendrados, que atingiram o objetivo dos meninos: laçar a escritora pelas palavras. Talvez com a mesma pitada de sedução de uma ex-aluna que queria conquistar seu ex-professor...
Bem-vindas as cartas!

terça-feira, 2 de setembro de 2014

FOGO E ÁGUA



(imagem do google)

As janelas de nossa casa no sítio são molduras para impressionantes obras de arte. Natureza viva. De frente, a Serra da Moeda, com suas porções de mata nativa ainda preservada, onde se escondem bromélias e orquídeas únicas na flora do estado de Minas Gerais. Na parte de trás, o que chamamos, carinhosa e orgulhosamente, de “nossa mínima amostra de espécies remanescentes de Mata Atlântica”, embora estejamos longe do mar. Intocada. Raros espécimes de pau-ferro, ipês, jacarandás, jequitibás, visgos, pinheiros e touceiras de bambu, dentre outras. Por todo lado onde o olhar nos leva, verde, muito verde.
No entanto, nos últimos anos vêm crescendo as áreas desmatadas para fazer pasto. Afinal, nós, humanos, nos reproduzimos exponencialmente e haja gado para atender nossa demanda por carne! Ainda assim, ilhas de verdor ainda nos deleitam os olhos. Ou deleitavam.
Este ano vimos provando os efeitos nefastos de um estio prolongado. Nos grandes centros urbanos, a percepção ocorre quando começam a falar de racionamento e falta de água. E são muitos os alertas, na maioria das vezes, porém, sonegados pela administração pública, pensando nos dividendos de um ano eleitoral. A população, menos informada e inconsciente, ou não sabe mesmo, ou finge não saber do momento crítico em que nos encontramos. Continua a usar a água como se fosse um recurso inesgotável. Carros e calçadas são lavados e varridos com mangueiras sem gatilho, deixando perder-se líquido precioso que nos fará falta adiante, para as necessidades mais básicas. E este é apenas um exemplo.
Nós que, de vez em quando, nos aproximamos um pouco mais da natureza e podemos acompanhar os seus ciclos, andamos preocupados com o que temos visto. Há cerca de dez anos, já tivemos períodos longos de chuva abundante, quando podíamos testemunhar a renovação da vida. Penso que, não por acaso, verde é a cor da esperança. Entretanto, a cada ano que passa, vimos constatando uma redução drástica no período e no volume das precipitações e o esforço hercúleo da Mãe Gaia para fazer frente à adversidade. A distribuição das chuvas vem se dando de modo desequilibrado: em algumas regiões, água destruindo tudo; em outras, seca inclemente.
Estamos no final do mês de agosto de 2014 e descer a serra no último dia 27 foi uma experiência desoladora. Ver de longe, nas imagens da TV, não é o mesmo que enxergar de perto o que o estio e a nossa imprevidência vêm fazendo. Inúmeros focos de incêndio, a maioria irresponsáveis e criminosos, espalhando-se e transformando hectares e mais hectares de mata em amontoados de cinzas. Uma cena de fazer chorar. Em um local onde, quando chove, costumam brotar tantas nascentes de água... Todo ano, nesta época, pode-se ver um foco ou outro de queimada criminosa, mas, desta vez, é estarrecedora a dimensão do estrago. Áreas imensas da Serra do Rola Moça emendando-se com outras tantas da Serra da Moeda, e um cheiro inequívoco de fumaça no ar. À noite, o que se vê daquelas mesmas janelas é um colar de fogo ameaçando tudo, de condomínios de luxo a pequenas propriedades rurais. Democraticamente. Além dos mananciais de água, nossa fonte de vida.
Eu me pergunto: que será do lobo-guará, da jaguatirica, dos saguis, dos esquilos e coelhos selvagens, da raposinha parda, das saíras, dos tico-ticos, papa-capins, sabiás e sanhaços, trinca-ferros, beija-flores e gaturamos, dos jacus, tucanos, e papagaios, das maritacas e gralhas, seriemas e saracuras? E dos besouros, das abelhas, cigarras e borboletas, das cobras, dos teiús e calangos, dos sapos e das pererecas e tantos outros residentes destas matas reduzidas, destruídas pelo fogo? Uns poucos chegam até a nossa porta, sem receio, porque lhes oferecemos alimentos e água, enquanto milhares de outros são sacrificados no altar da insanidade geral. Quem se importa?
No céu, apenas o voo dos helicópteros da Polícia Florestal e dos brigadistas voluntários brigando uma briga desigual...
Hora de acordar, tomar atitude e mudar. Ou será que o nosso patrimônio natural se transformará exclusivamente em insumo?  

Em tempo: no dia 28/08 caiu ligeira chuva à noite, reduzindo o fogo e limpando a atmosfera. Aplaudimos de pé!

(Angela Cristina Fonseca, em 29 de agosto de 2014)

segunda-feira, 25 de agosto de 2014

SOMBRAS

(imagem do google)
“Santo  é o pecador que não desistiu.” (Paramahansa Yogananda)

Gosto das minhas sombras. Desse canto secreto, obscuro que todos possuímos, mas não gostamos de mostrar. Eu poderia fazer o questionamento nivelador: ”Tenho sombras, sim! Mas quem não as tem?”  No entanto, não são as sombras alheias que me interessam. Que cada um lide com as suas como quiser. Ocupo-me das minhas.
Elas são, sem dúvida, o meu contraponto, meu fiel da balança. Reconhecê-las resgata o meu ponto de equilíbrio. São minhas sombras que me puxam para o chão de incertezas que é a vida. Libertam-me do rigor impiedoso do perfeccionismo, salvam-me de qualquer orgulho ostensivo, das vãs vaidades. Dão-me o empurrão necessário para o território da dúvida, para longe das certezas inúteis. Relativizam-nas.

Sombras são como os velhos negativos de fotos: delineiam, mas não detalham; sugerem, porém não revelam. Causam-me, a um tempo, o espanto e a admiração diante do que sou. Fazem parte da substância da minha alma. Tiram, um a um, os véus da minha própria cegueira, abrindo caminho e espaço para minha luz verdadeira.  

sábado, 23 de agosto de 2014

FILHO



(imagem do google)
Dialogamos, os dois,
em dialeto muito particular.
O que você represa,
por não conseguir exprimir,
eu, tradutora,
vou decifrando na luz de seu olhar.
Seus olhos, filho meu,
escoam tanto afeto,
que parece haver um rio
de águas muito puras
correndo dentro desse corpo frágil.
Nele navegamos os dois,
enlaçados, conectados desde muitas vidas,
buscando estuários
para essa afeição que ultrapassa nossa humanidade.
Meu amigo, meu menino-homem, meu avatar,
amar você é renascer, sempre.

ALDRAVIANDO...

Aldravias são poemas sintéticos, de até seis versos univocabulares, que privilegiam o uso da metonímia em lugar da metáfora exatamente por serem poemas curtos e, também, no intuito de provocar e reconquistar o leitor de poesia. Sou poeta aldravianista, membro efetivo da SBPA - Sociedade Brasileira dos Poetas Aldravianistas, com sede na cidade histórica de Mariana, MG. Pretendo postar aqui minhas aldravias, outros textos relacionados, meus poemas e minha prosa. Estou criando meu próprio sítio de publicação, uma vez que os espaços democráticos estão, a cada dia, mais escassos e os grandes conglomerados editoriais não se interessam pelos que, como eu, não são o que eles consideram "notáveis". Sou uma poeta de alma e coração e a internet me proporciona a oportunidade de partilhar com as pessoas a minha escritura. Quem quiser mandar textos para mim fique, também, à vontade. Este é um blog de Literatura, com letra maiúscula. Degustem e participem. Vamos escrever, e ler, e escrever de novo, e tudo outra vez.

marinhas
águas
diamantinos
cristais
minas
gerais

bateias
em
leitos
d’ouro
minas
confiscada

tramas
soturnas
e
poesia
minas
inconfidente
veios
ferro
sangrando
montanhas
minas
drummondiana

véus-de-noiva
serra
abaixo
minas
líquida

sabão
pedra
dura
minas
de
profetas

UMA ANÁLISE MUITO PARTICULAR SOBRE FERNANDO PESSOA(S)


Creditar a exuberância desesperada de Fernando Pessoa a entidades obsessoras, como querem alguns seguidores do Espiritismo, a mim me parece um profundo equívoco. É pretender deslustrar uma obra densa e peja de brilho próprio. Os heterônimos foram uma solução, digamos, terapêutica para uma psique fendida pela dor da lucidez. Uma tentativa de lidar com a loucura mesma de suas teses e antíteses, da solidão e da culpa, das carências e do peso da rejeição, dos pruridos da homossexualidade em um contexto social conservador.

Nem mesmo sua busca pela transcendência, dentro de sociedades esotéricas e/ou guetos de ocultismo, conseguiu trazer-lhe algum apaziguamento. Deram em tédio e ceticismo: argúcia e inteligência nunca lhe permitiram soluções fáceis, confortadoras, as bengalas psíquicas. Tudo em vão diante de uma alma atormentada por suas tão humanas controvérsias.

(Angela Cristina Fonseca, junho/2014)