quarta-feira, 3 de setembro de 2014

QUATRO MÃOS E DUAS CRÔNICAS


(imagem do google)

Muito bom quando encontramos alguém que partilha - e desfruta conosco! - um mesmo interesse. Há alguns meses escrevi sobre o prazer de enviar cartas. Em papel e envelopadas, como nos velhos tempos. E agora vem a minha querida amiga e escritora Andreia com uma crônica sobre o mesmo tema. Pedi licença a ela para postar aqui o seu texto, junto com o meu. Penso que muita gente, que também gosta de escrever e receber notícias mais pessoais e menos "uniformizadas", irá concordar conosco. Em tempo de mensagens curtas e quase sem emoção, a boa e velha carta ainda tem valor imenso para um grupo significativo de pessoas. Voilà!

aki naum paramos d escrever
o q eh d+
Angela Cristina Fonseca

Tenho saudade de escrever cartas. De ir à papelaria atrás de bloco pautado e envelope. Aqui um parêntese: visitar papelaria sempre foi, para mim, uma aventura sensorial. Gosto de papel, acaricio para sentir a textura; encanto-me com os mais variados tipos de cadernos, blocos, pastas organizadoras, em cores e formatos diferentes; adoro as novas engenhocas usadas para apontar lápis, grampear e clipar, a cada dia mais atrativas; as caixas, de todos os tamanhos e padrões, lindas, de encher os olhos: os lápis – sempre os B’s! -, de maciez variável, respondendo ao toque das mãos, firme ou suave. E os cheiros... ah, os cheiros!... Na verdade, aromas, quase feromônios para minhas narinas irremediavelmente seduzidas... Fecho parêntese.
A última carta pessoal que escrevi data de 2009. O destino, inusitado. Um amigo-irmão, professor de literatura portuguesa, fora passar dois anos na Croácia. Leitorado na Universidade de Zagreb. Conversávamos quase semanalmente no skype, pelo prazer de podermos nos ver. Trocávamos e-mails também, quando havia material didático interessante para compartilhar. Mas, as cartas, não muitas, faziam parte expressiva de nosso repertório de comunicação. É interessante: esse mesmo amigo já viveu umas tantas vezes fora de Belo Horizonte, depois que nos conhecemos. Ausências sempre ligadas à carreira acadêmica. E sempre trocamos cartas. Poucas, a bem da verdade, porém extraordinárias. A primeira parte era constituída de pequenos contos ou crônicas a respeito do que nos acontecia no cotidiano, entretanto, narrados na terceira pessoa, como se outras fossem as personae. Só depois vinha a parte, digamos, mais social e prosaica. Eu adorava.
Outro amigo, artista plástico, ilustrava suas cartas com seus desenhos, que, de tão primorosos, inspiraram-me a ideia de realizar uma exposição, intitulado CARTAS, com aquelas obras de arte. A qual acabou não acontecendo, infelizmente.
Já escrevi muitas cartas nestes meus quase sessenta e seis anos de vida. A maioria à mão. Foi um longo tempo sem computador (não havia, ainda!) e outro tanto, anteriormente, sem máquina de escrever (que só pude comprar já adulta, com o fruto do meu trabalho).
Fico pensando nos jovens de hoje e suas máquinas touch screen. A sensibilidade ao toque não substitui a sensibilidade amorosa de trocar cartas: o prazer de fechá-las como se fossem um cofre cheio de segredos; de colar os selos, que já foram verdadeiros objets d’art miniaturizados; de ir aos Correios, postá-las; e, depois, conferir diariamente a caixa postal, na expectativa de uma resposta.
Vivemos um tempo acelerado, de msgs curtas e cheias de códigos, abreviaturas e ícones. Como no título que dei a este texto.
Estou envelhecendo. Vejo abreviar-se o meu tempo de permanência no planetinha azul, embora não arrefeça o meu desejo de escrever. Venho, então, buscando as referências do meu passado. Lembro-me do dia em que fui enviar a tal carta para a Croácia, com um endereço cheio de palavras estranhas, e o funcionário da agência comentou: “Nossa, nunca tive nas mãos, até hoje, qualquer correspondência para o leste europeu!...”
É por causa destes pequenos eventos que volta, sempre, a saudade de escrever cartas...


CARTAS

Andreia Donadon Leal
Cartas me emocionam, sim! Lembro-me da época em que estudei a clássica carta de Pero Vaz de Caminha, descrevendo ao Rei de Portugal as belezas e riquezas imensuráveis encontradas no Brasil. Imagino o deslumbramento dos descobridores; as expressões de encantamento e fascinação pelo país tropical... Não foi somente nos estudos que me fascinei pelo gênero epistolar. Na infância, verificava a caixa postal de casa, a pedido de meus pais. O que me fascinava era o envelope não tão branco, com marcas de cola, dedos, canetas, com selos coloridos; a curiosidade se aguçava ao ler o nome do remetente e ‘carta social’. Certamente pensava que o vocábulo significa coisa ‘importante’... O envelope poderia trazer boas ou péssimas novas, que mudariam nossas vidas para melhor, ou não... Uma vez recebemos carta em que comunicava a transferência do meu pai de Itabira para Vitória-ES. Carta burocrática, alguém explicou. A meninada chorou horrores, quando pai leu a missiva burocrática, pausadamente. Estranhamento e insegurança com o desconhecido. Primeiro pânico: perder os amigos da escola... Segundo pânico: experimentar algo novo... Mal sabíamos que lá teríamos boas surpresas. Mal sabíamos que lá, viveríamos confortavelmente em casa espaçosa e de frente para a praia. Mal sabíamos que lá veríamos o mar, tão perto, ao alcance das mãos e de nossos corpos desejosos das águas do oceano. Mal sabíamos que lá, aprenderíamos a nadar. Mal sabíamos que lá, viveríamos a melhor época de nossas vidas. Carta burocrática chata, abençoada! Nem sempre recebemos boas novas... Isto é fato, mas aqui relato o que ficou guardado na memória, e hoje faz parte de lembranças que faço questão de contar.
Recordo-me, ainda, de outras que cheguei a receber. Na infância e adolescência recebi apenas duas missivas, devidamente envelopadas e seladas; de uma amiga de Itabira e de um conhecido de Santa Bárbara. A internet não estava ao meu alcance; não havia nem e-mail, nem redes sociais.
Cresci e conheci e-mail. Que coisa sofisticada, mas a desconfiança bate à porta quando as coisas estão no início. Estranho ler carta em tela luminosa. Custei a me acostumar com a facilidade do e-mail. Custei a me acostumar com a velocidade dos comunicados e informações... Custei, mas finalmente, gostei de poder escrever mais e mais para amigos, parentes e pessoas conhecidas, que não via havia tempo. O correio eletrônico, sem dúvida, facilitou o envio de cartas e encontros... 
No final da universidade, isso já com meus vinte e oito anos de idade, tive o ímpeto de escrever cartas-poemas para meu ex-professor, que hoje é meu marido há doze anos. Não por e-mail, mas pelo correio tradicional, com bordados feitos à mão, letra caprichada, com direito a gotículas de perfume. Não sei o número de cartas, mas certamente foram tão eloquentes e apaixonadas, que chegaram a atingir o objetivo: laçar o moço pelas palavras...
Mudei-me para Mariana quando me casei. A paixão pela escrita e leitura sempre fizeram parte de minha vida. Corri atrás do sonho, de poder ilustrar palavras em jornais, revistas e livros... Com o passar dos anos e à medida que escrevia e publicava mais livros, comecei a receber mais cartas eletrônicas e/ou postadas pelo correio tradicional. Impressões, críticas e relatos sobre obras, personagens dos livros, etc. Recebi de inúmeros lugares, desde os mais improváveis ou inesperados. Algumas vieram de sistemas prisionais, talvez por distribuir grande parte dos exemplares para entidades culturais, filantrópicas, bibliotecas públicas e comunitárias e em escolas, etc. Mas, cadê a emoção nisto tudo? A carta que mais me tocou. A carta das cartas. A carta que informava possíveis modificações. As cartas com depoimentos intrigantes que valeriam a pena relatar neste texto. Não, não tenho este objetivo. O que me emociona profundamente é quando alguém ou algum fato consegue me tocar ao ponto de lembrar fatos do passado. Isto sim, vale a pena contar.
Receber cartas que falam da paixão de ler um livro, passagens de determinadas estórias, encontros e aprendizagens com personagens, etc... Estas me emocionam muito, pois me fazem lembrar a época em que estudei a de Pero Vaz de Caminha, que descrevia o deslumbramento e fascinação pelo novo, ou as que eu mesma escrevi no final da universidade para meu professor, com desejo de conquistar o amor, através das palavras...
Hoje, tive o prazer de receber em minha caixa postal, cartas devidamente envelopadas, seladas e com diversos desenhos, falando sobre impressões dos alunos de zona rural, sobre um livro meu de estória juvenil. Penso que muitos escritores recebam convites e missivas de alunos. Normal. No entanto, todos os remetentes tinham o desejo de tocar a sensibilidade da escritora, com frases e textos bem engendrados, que atingiram o objetivo dos meninos: laçar a escritora pelas palavras. Talvez com a mesma pitada de sedução de uma ex-aluna que queria conquistar seu ex-professor...
Bem-vindas as cartas!

4 comentários:

  1. Que saudades das cartas! Belissimos textos, amiga Angela e Andreia. Adorei! Abracos do Japao.

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  2. Grata, poeta e amigo Edweine. Uma honra para mim a generosidade de Andreia. Que bom que gostou. Abraços do nosso Brasil.

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  3. Ah... mais uma experiêcia escrita... Evoé!

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    1. Obrigada pela visita, José Luiz! Sim: de experiência em experiência, vamos aprendendo. Na vida e na escritura. Abraço.

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