terça-feira, 6 de outubro de 2015

É INQUESTIONÁVEL: ELA CHEGOU!

                                    
       Enquanto a lua mingua no céu, na Terra um antigo relógio biológico põe-se a trabalhar em ritmo de equinócio. As águas chegam muito timidamente para essa época do ano nas Minas Gerais. No entanto, a primavera, sem se preocupar com as condições atmosféricas, está pronta para agir.

          Há uma névoa tornando a atmosfera mais densa e a chuva não deve tardar. Desço a serra da Moeda, em direção ao sítio. Felizmente, desta vez não tivemos queimadas, apesar de um incêndio próximo haver destruído grande parte da serra do Rola Moça. Sensação de dejà vu:   gente irresponsável e criminosa que ateia fogo às matas, dizimando ecossistemas inteiros. Uma lástima.     
     
          Porteira a dentro, já posso perceber a renovação. Sinto um sutil cheiro de verde no ar. Descarregado o carro e tudo acomodado, saímos andando para uma vistoria geral. Muito mato seco, sedento, é verdade. Entretanto, aqui e ali, apontam brotos novos nos troncos recém-aparados das dracenas e no bambuzal. As mangueiras começam a frutificar, embora devam produzir menos que em outros anos, por falta de chuva. Aliás, se ela não chegar logo, as jabuticabeiras, cobertas de frutinhas ainda esverdeadas, poderão ver perdida a sua generosa produção. Bananas temos, por serem um fruto perene, e muito limão rosado - que alguns conhecem por outro nome, bem esquisito por sinal -, aquele da casca alaranjada, com bastante caldo. Dizem que ajuda no controle da pressão sanguínea, mas eu bebo o suco para alcalinizar o estômago. Meu verdadeiro xodó, um pé de limão siciliano, cuja muda tive o prazer de plantar e da qual cuidei com dedicação e muita paciência, frutificou prodigamente este ano e já vem abotoando todo de novo.

          As plantas mais resistentes começam a exibir suas flores. Há lanterninhas chinesas (Abutilon striatum) por todo lado. A moita de Bela-Emília (Plumbago) – outro xodó – exibe suas florinhas de um azul bem claro, miudinhas mas inebriantes, assim como os jasmineiros. Lembro-me de quando era menina e vivia procurando alguma planta que desse flores azuis. Só muitos anos depois fiquei conhecendo as hortênsias, que florescem no inverno, e recentemente essa lindeza com nome de mulher. Do lado da casa que dá para a mata vários pés de manacá pintalgam o verde de branco, lilás e roxo e enchem o ar de um aroma adocicado As roseiras, podadas em agosto, reverdecem e, em breve, estarão floridas. Já azaleias, helicônias e buganvílias exibem a luxúria de suas floradas. E o chão começa a cobrir-se de vedelias, zebrinas e suzanas-de-olhos-negros (Thunbergia alata).

          Cigarras iniciam sua estridente algazarra, avisando-nos que vai chover, mas como as fileiras de formigas correição ainda não se formaram, deve demorar mais alguns dias para as abençoadas águas batizarem o solo. Sabiás já construíram seu ninho na varanda de casa, as gralhas se fartam com as frutinhas de uma árvore ali chamada de cabotá(?) e um calango-fêmea grávido passeia seu barrigão pelas paredes sem a menor cerimônia.

          Diante de orquestração tão afinada, é possível constatar, a cada ano, que a Terra não precisa de nós e que, independente e apesar da nossa intervenção, por vezes tão predatória, o relógio biológico da Natureza segue marcando o tempo e refazendo a vida.