quarta-feira, 6 de julho de 2016

INVERNO NAS NUVENS... Cronicurtas

(imagem do Google)

Manhã

Cobertor de nuvens esconde - pudor e desvelo – curvas voluptuosas da serra...

Levanto-me dentro de uma porção do céu, véu fino e nevoento, que envolve casa, jardim, paisagem...

De mansinho, o sol, tímido ainda, vai rompendo o nevoeiro, traçando retas, perpendiculando a luz...

Vento espanta nuvens. Céu de intenso azul invernal. Voo de roupas no varal, festa de cores, bandeirolas de São João...

Leite aquecido, uma baga de baunilha e cacau em pó. O dia ganha calor...

Penachos multicores - e sedentos! – dão rasantes, imergindo seus bicos em bebedouros bromeliáceos...

Barrigão ao sol, camaleoa grávida, assustada, mal se arrasta pelas paredes...

Escassez de alimento cria vínculos, familiaridade. Pássaros e micos chegam aos comedouros e, curiosos, adentram a casa sem cerimônia. Uns entoam árias, pousados num espaldar de cadeira, outros brincam de esconde-esconde com as cortinas de chita...

O vinho, a sopa, pão feito em casa. Depois, a rede, a sesta. Para que mais?

Tarde

Preguiça... Calor gostoso no corpo e pecado. Difícil levantar... Enquanto isso, gralhas e maritacas algazarreiam nas ameixeiras...

Brilhos metálicos, bater frenético de asas e zumbidos reverberam. Beija-flores e abelhas partilham, harmoniosamente, o pólen racionado. Poucas flores...

Com mãos laboriosas, novelos de lã mesclada e agulhas de tecer gesto agasalhos. Vão nascendo xales, cachecóis, meias, mimos...

Em breve terei que substituir meu velho caderno, já tão gasto, cofre de minhas palavras e sentimentos. Emoções que escorrem da alma pelos dedos. Fetiche. Só depois, bem depois, tudo será encaminhado para a máquina e suas engenhocas.

Tento escrever os poemas certos com meus dedos tortos. Acabam saindo como têm que ser...

Às vezes me canso. Outras me entristeço. Quando exulto, vou para a cozinha, invento delícias. Ou saio a plantar, a pôr as mãos na terra...

Tem dias que fico olhando para o teto, de madeira bonita, e devaneio. Já tive uma bela voz, como minha mãe. Voz de anjo. Hoje canto como Angela mesmo, o tom um pouco mais grave. Na canção e na vida.

Há anos, corujas suindara fazem ninho debaixo do nosso telhado. É só escurecer e soltam seu piado soturno, saindo à caça. Na imaginação de um amigo gaucho, assemelham-se a fantasmas, brancas contra o breu da noite.

Lume aceso, água fervente extrai aroma e sabor das ervas frescas em infusão. Criadas na porta de casa, perfumam o ar. Ao redor da mesa, da broa de fubá, do pão de queijo, as atividades do dia viram histórias... 

Aqui na serra há sossego e solidão. Necessários. Cada um faz o que quer e o que gosta. E também o que é preciso. Há espaço para deixar viajar a imaginação.... Indiscutivelmente, somos um coletivo.

Noite

Espiar estrelas, paixão antiga. Se há lua, o contorno da serra afigura-se como proteção: aqui se está em paz. O frio arrepia e o céu volta a descer, encobrindo tudo. Hora de sonhar dormindo. Ou o contrário...