(imagem do Google)
Manhã
Cobertor de nuvens esconde - pudor e
desvelo – curvas voluptuosas da serra...
Levanto-me dentro de uma porção do
céu, véu fino e nevoento, que envolve casa, jardim, paisagem...
De mansinho, o sol, tímido ainda,
vai rompendo o nevoeiro, traçando retas, perpendiculando a luz...
Vento espanta nuvens. Céu de intenso
azul invernal. Voo de roupas no varal, festa de cores, bandeirolas de São João...
Leite aquecido, uma baga de baunilha
e cacau em pó. O
dia ganha calor...
Penachos multicores - e sedentos! –
dão rasantes, imergindo seus bicos em bebedouros bromeliáceos...
Barrigão ao sol, camaleoa grávida,
assustada, mal se arrasta pelas paredes...
Escassez de alimento cria vínculos,
familiaridade. Pássaros e micos chegam aos comedouros e, curiosos, adentram a
casa sem cerimônia. Uns entoam árias, pousados num espaldar de cadeira, outros
brincam de esconde-esconde com as cortinas de chita...
O vinho, a sopa, pão feito em casa. Depois , a rede,
a sesta. Para que mais?
Tarde
Preguiça... Calor gostoso no corpo e
pecado. Difícil levantar... Enquanto isso, gralhas e maritacas algazarreiam nas
ameixeiras...
Brilhos metálicos, bater frenético
de asas e zumbidos reverberam. Beija-flores e abelhas partilham,
harmoniosamente, o pólen racionado. Poucas flores...
Com mãos laboriosas, novelos de lã
mesclada e agulhas de tecer gesto agasalhos. Vão nascendo xales, cachecóis,
meias, mimos...
Em breve terei que substituir meu
velho caderno, já tão gasto, cofre de minhas palavras e sentimentos. Emoções
que escorrem da alma pelos dedos. Fetiche. Só depois, bem depois, tudo será
encaminhado para a máquina e suas engenhocas.
Tento escrever os poemas certos com
meus dedos tortos. Acabam saindo como têm que ser...
Às vezes me canso. Outras me
entristeço. Quando exulto, vou para a cozinha, invento delícias. Ou saio a
plantar, a pôr as mãos na terra...
Tem dias que fico olhando para o
teto, de madeira bonita, e devaneio. Já tive uma bela voz, como minha mãe. Voz
de anjo. Hoje canto como Angela mesmo, o tom um pouco mais grave. Na canção e na
vida.
Há anos, corujas suindara fazem
ninho debaixo do nosso telhado. É só escurecer e soltam seu piado soturno,
saindo à caça. Na imaginação de um amigo gaucho, assemelham-se a fantasmas,
brancas contra o breu da noite.
Lume aceso, água fervente extrai
aroma e sabor das ervas frescas em infusão. Criadas na porta de casa, perfumam o ar.
Ao redor da mesa, da broa de fubá, do pão de queijo, as atividades do dia viram
histórias...
Aqui na serra há sossego e solidão.
Necessários. Cada um faz o que quer e o que gosta. E também o que é preciso. Há espaço para deixar viajar
a imaginação.... Indiscutivelmente, somos um coletivo.
Noite
Espiar estrelas, paixão antiga. Se
há lua, o contorno da serra afigura-se como proteção: aqui se está em paz. O frio arrepia e o céu
volta a descer, encobrindo tudo. Hora de sonhar dormindo. Ou o contrário...
Nenhum comentário:
Postar um comentário