(imagem do google)
No
início da década de 1970 vivi na cidade do Rio de Janeiro. Trabalhava como
tradutora e fazia uns “frilas” para a revista Rolling Stone, à época sob a
batuta de Luiz Carlos Maciel. Conheci gente interessante: Jards Macalé, Novos
Baianos, Sdenek Hampl, Zózimo Bulbul, Jorge Mautner, o insipiente grupo de
teatro Asdrúbal Trouxe o Trombone... Tempos lisérgicos, embora repressivos e
duros. Certa noite fui ver a peça “As três irmãs”, de Anton Tchekhov, com o
Grupo Oficina, sob a direção do bruxo louco e genial José Celso Martinez
Corrêa. Já havia lido sobre a peça “O Rei da Vela”, de Oswald de Andrade,
encenada pelo mesmo grupo e o mesmo diretor e fiquei interessadíssima. O texto
de Tchekhov, grave, pedia figurino austero e cenário econômico, quase sombrio.
Produção impecável. O final, no entanto, foi apoteótico. Enquanto o elenco
desmontava a cena, José Celso pendurou-se em um arco, preso ao teto por uma
corda, e pos-se a balançar-se sobre o público dizendo: “Gente, isso é tudo
mentira! É tudo teatro!” A plateia veio à loucura.
A
memória traz-me de volta esses fatos à reflexão neste momento porque, além de
ter que lidar com uma censura impiedosa e arbitrária, produtores da cultura,
àquela época, tinham de buscar a viabilização de seus projetos por contra
própria, junto aos poucos agentes fomentadores disponíveis.
Na
semana passada, com Michel Temer assumindo o governo interinamente, houve
espanto e mal-estar pela fusão dos Ministérios da Educação e da Cultura,
trazendo de volta o antigo MEC. A reação foi imediata: artistas e intelectuais, sobretudo de esquerda, se
juntaram em um abraço simbólico no prédio e enviaram um manifesto a Temer,
cobrando a volta do MinC. Ele, cedendo à pressão, decidiu, então, criar uma
Secretaria de Cultura ligada à Presidência, porém, sem status de ministério. A
imprensa já especula a respeito do nome que irá comandá-la, talvez uma mulher,
o que atenderia a duas reivindicações emergentes.
Duas
questões se me impõem e preocupam e quero partilhá-las. A primeira é: quem será
o/a secretário/a da cultura? Dependendo de quem ocupe o cargo, poderemos ter
que enfrentar uma tentativa da esquerda radical e retrógrada de lançar, de novo, seus tentáculos e
reaparelhar o Estado brasileiro com seus quadros. A segunda é, em parte uma
consequência da primeira: ressuscitar o MinC para que um mesmo grupo de
artistas e intelectuais, a maioria com popularidade suficiente e capacidade
para obter recursos da iniciativa privada, ou, até mesmo, de bancar seus
projetos, continue a viver – e a enriquecer – sob as asas do Estado, só por
serem “amigos do rei”, em detrimento dos verdadeiros órfãos da cultura, aqueles
que, de fato, necessitam dos subsídios para tocarem projetos de relevância
indiscutível para o Brasil. Estes ficarão, maquiavelicamente, à míngua.
Se
assim for, veremos alguém pendurar-se em um arco, preso no alto por uma corda,
a balançar sobre nós, cidadãos brasileiros, e a repetir, freneticamente: “Gente, isso é tudo
mentira! É tudo teatro!”
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