Há cerca de um ano venho cuidando mais de mim. Primeiro, um desvio da coluna lombar, com muita dor. Sob controle, no momento. Depois, uma picadinha invisível do famoso Aedes aegypti e seu vírus da dengue, introduzido em mim sem quaisquer preliminares ou cerimônia. Mais dor, uma febrícola, inapetência e pintas vermelhas espalhadas por algumas partes do corpo. Tais sintomas, assim como vieram, foram-se, sem aviso prévio. Agora pelejo com uma gripe alérgica: a umidade relativa do ar em Beagá está muito abaixo dos índices que seriam considerados ideais pela OMS. Durante minha vida sempre a mil por hora, com tantas atribuições e desejos a saciar, plenamente fullgas, acabei não achando tempo para fazer um curso preparatório de envelhecimento. E me descuidei. Resultado: fui obrigada a desligar algumas tomadas e dar uma discreta pisada no freio.
Bom também. Venho lendo e relendo autores de que gosto muito, bem como escrevendo outro tanto, menos para publicar e mais como atividade terapêutica. Hoje, no entanto, peguei papel e lápis - eu costumo trabalhar assim, é quase um fetiche, para só depois o texto ir para a máquina. E resolvi partilhar.
Tudo por causa da palavra viralizar e seu novo campo semântico. Saio muito pouco de casa, mesmo não me enquadrando no modelito "bela, recatada e do lar". Preguiça mesmo e uma vaga misantropia. Daí, que meu passatempo favorito fica sendo mesmo a internet. É neste vasto território que os termos viral e viralização adquiriram novo significado e tornaram-se parte integrante da conversa no ciberespaço. Quando algo aparece insistentemente nas redes, diz-se "ih, viralizou!" E existem mecanismos invisíveis para medir a ocorrência. É tudo tão rápido que o viral de ontem é logo substituído por outro, tal a velocidade de sua, digamos, mutação.
George Orwell, pseudônimo de Eric Arthur Blair, escritor, jornalista e ensaísta político inglês, que viveu no início do século XX e flertou com o anarquismo e o socialismo democrático, escreveu duas obras proféticas. Em 1984, escrito em 1948 - ele inverteu os algarismos - trata do totalitarismo e da quebra de privacidade de forma ficcional, criando um sinistro tirano, chamado de Big Brother, o Grande Irmão, entidade invisível e quase abstrata, que controlava tudo graças às teletelas, em cenário fictício chamado Oceânia. O autor foi capaz de prever a realidade tal como a conhecemos hoje, onde qualquer de nós pode "espionar" todo mundo. Em seu outro livro, Animal Farm (A Revolução dos Bichos), Orwell conta a história de uma granja liderada pelo Sr. Jones. Cansados dos maus tratos, os animais decidem fazer uma revolução, liderados pelo Porco Maior. Segundo essa criatura, "todos os animais são iguais entre si". Porém, "uns são mais iguais que os outros". A partir daí, os porcos passam a liderar a granja com patas de ferro e instala-se uma nova escravidão. Emblemática a escolha dos porcos como dominadores. Afinal, não é assim que vimos enxergando nossa "casta" política?
Constata-se, no dia a dia, a intolerância chegando a seus aspectos mais extremos. No hemisfério norte, o Estado Islâmico vem dizimando pessoas, animado por um ódio supostamente religioso. Hoje, pela manhã, ouvi a notícia de que a Suécia encontra-se em estado de alerta máximo sob a ameaça do terror.
Aqui nos trópicos, mais exatamente no Brasil, percebe-se uma polarização que vem num crescendo e se manifesta, declaradamente, em locais públicos. De um lado, um grupo belicista, que fala abertamente em guerra, para não ter que abdicar do projeto de poder do qual se beneficia. Do outro, gente indignada, que resolveu sair do armário para o confronto. Petralhas versus coxinhas, como denominam uns aos outros.
Recentemente, depois de certo deputado, em momento de profunda burrice, manifestar abertamente sua admiração por um torturador, num processo sério de votação do impeachment da presidente do país, um colega de parlamento, seu desafeto, não teve dúvidas: cuspiu na sua cara, em vergonhosa e explícita demonstração de "falta de decoro parlamentar". De ambos, diga-se. A cena viralizou.
Quase que imediatamente depois, novo episódio: em vídeo que teve milhões de visualizações na internet, ator global e alguns clientes de um restaurante iniciam um bate-boca patético, pontilhado por palavras chulas e desaforos pesados de ambos os lados. De novo, petralhas x coxinhas. Não deu outra: mais cusparada no rosto e no prato dos supostos "ofensores". Partindo de quem? Do tal ator, a quem foram concedidos, pela emissora onde trabalha, trinta minutos em programa muito popular nas tardes de domingo, em canal de tv aberto, para um mea culpa que não houve. Viralizou outra vez, gerando indignação mas, também, muita piada.
Aí eu me pergunto: o que virá depois do cuspe?!?! Na dúvida, passarei a sair de casa de burka...
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