terça-feira, 2 de setembro de 2014

FOGO E ÁGUA



(imagem do google)

As janelas de nossa casa no sítio são molduras para impressionantes obras de arte. Natureza viva. De frente, a Serra da Moeda, com suas porções de mata nativa ainda preservada, onde se escondem bromélias e orquídeas únicas na flora do estado de Minas Gerais. Na parte de trás, o que chamamos, carinhosa e orgulhosamente, de “nossa mínima amostra de espécies remanescentes de Mata Atlântica”, embora estejamos longe do mar. Intocada. Raros espécimes de pau-ferro, ipês, jacarandás, jequitibás, visgos, pinheiros e touceiras de bambu, dentre outras. Por todo lado onde o olhar nos leva, verde, muito verde.
No entanto, nos últimos anos vêm crescendo as áreas desmatadas para fazer pasto. Afinal, nós, humanos, nos reproduzimos exponencialmente e haja gado para atender nossa demanda por carne! Ainda assim, ilhas de verdor ainda nos deleitam os olhos. Ou deleitavam.
Este ano vimos provando os efeitos nefastos de um estio prolongado. Nos grandes centros urbanos, a percepção ocorre quando começam a falar de racionamento e falta de água. E são muitos os alertas, na maioria das vezes, porém, sonegados pela administração pública, pensando nos dividendos de um ano eleitoral. A população, menos informada e inconsciente, ou não sabe mesmo, ou finge não saber do momento crítico em que nos encontramos. Continua a usar a água como se fosse um recurso inesgotável. Carros e calçadas são lavados e varridos com mangueiras sem gatilho, deixando perder-se líquido precioso que nos fará falta adiante, para as necessidades mais básicas. E este é apenas um exemplo.
Nós que, de vez em quando, nos aproximamos um pouco mais da natureza e podemos acompanhar os seus ciclos, andamos preocupados com o que temos visto. Há cerca de dez anos, já tivemos períodos longos de chuva abundante, quando podíamos testemunhar a renovação da vida. Penso que, não por acaso, verde é a cor da esperança. Entretanto, a cada ano que passa, vimos constatando uma redução drástica no período e no volume das precipitações e o esforço hercúleo da Mãe Gaia para fazer frente à adversidade. A distribuição das chuvas vem se dando de modo desequilibrado: em algumas regiões, água destruindo tudo; em outras, seca inclemente.
Estamos no final do mês de agosto de 2014 e descer a serra no último dia 27 foi uma experiência desoladora. Ver de longe, nas imagens da TV, não é o mesmo que enxergar de perto o que o estio e a nossa imprevidência vêm fazendo. Inúmeros focos de incêndio, a maioria irresponsáveis e criminosos, espalhando-se e transformando hectares e mais hectares de mata em amontoados de cinzas. Uma cena de fazer chorar. Em um local onde, quando chove, costumam brotar tantas nascentes de água... Todo ano, nesta época, pode-se ver um foco ou outro de queimada criminosa, mas, desta vez, é estarrecedora a dimensão do estrago. Áreas imensas da Serra do Rola Moça emendando-se com outras tantas da Serra da Moeda, e um cheiro inequívoco de fumaça no ar. À noite, o que se vê daquelas mesmas janelas é um colar de fogo ameaçando tudo, de condomínios de luxo a pequenas propriedades rurais. Democraticamente. Além dos mananciais de água, nossa fonte de vida.
Eu me pergunto: que será do lobo-guará, da jaguatirica, dos saguis, dos esquilos e coelhos selvagens, da raposinha parda, das saíras, dos tico-ticos, papa-capins, sabiás e sanhaços, trinca-ferros, beija-flores e gaturamos, dos jacus, tucanos, e papagaios, das maritacas e gralhas, seriemas e saracuras? E dos besouros, das abelhas, cigarras e borboletas, das cobras, dos teiús e calangos, dos sapos e das pererecas e tantos outros residentes destas matas reduzidas, destruídas pelo fogo? Uns poucos chegam até a nossa porta, sem receio, porque lhes oferecemos alimentos e água, enquanto milhares de outros são sacrificados no altar da insanidade geral. Quem se importa?
No céu, apenas o voo dos helicópteros da Polícia Florestal e dos brigadistas voluntários brigando uma briga desigual...
Hora de acordar, tomar atitude e mudar. Ou será que o nosso patrimônio natural se transformará exclusivamente em insumo?  

Em tempo: no dia 28/08 caiu ligeira chuva à noite, reduzindo o fogo e limpando a atmosfera. Aplaudimos de pé!

(Angela Cristina Fonseca, em 29 de agosto de 2014)

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