terça-feira, 16 de setembro de 2014

ELA

Só sedução. É do que ela gosta. Mais que do frêmito do desejo ou do gozo do enlace carnal. Assim: homens torcendo o pescoço ou colidindo postes, na tentativa de acompanhar seu passo ensaiado. Olhares que devoram a possibilidade. Ela gosta.
Seu olhar, esverdeado, mescla de enfado e desprezo irônico, atiça libidos. Na boca, o sorriso lascivo, vazio de outras intenções que não a pura provocação. Perversa!
Quando jovem, era, digamos, uma morena de parar o trânsito. Cabelos longos, anelados; olhar felino; corpo com as curvas certas. Já era consciente do prejuízo que causava aos egos masculinos. E mal se importava. Deixava-se cortejar... e nada! Chegou a namoriscar uns rapazes, casou-se com dois deles – tinha especial predileção por babões e malvados – mas, na maior parte das vezes, era o jogo que a interessava.
Inexoravelmente, entretanto, esvai-se o tempo. Para alguns, de maneira impiedosa, enquanto, para outros, de forma um tanto mais generosa. Ela se enquadra na segunda categoria. Aos 60, a pele é suave, amorenada, sem manchas; os olhos ainda possuem brilho e intensidade; o corpo ganhou volume discreto, porque não passou pela maternidade. Sua vaidade hoje, curiosamente, é de outra estirpe. Orgulha-se dos neurônios. Intactos. Inteligência não lhe falta, bem como rapidez de raciocínio e flashes instantâneos de compreensão e interpretação do mundo, macro e micro. Leu muito, a vida toda, e tem um repertório invejável de cultura. Transita com facilidade e donaire entre idiomas diferentes, sem perder o foco e as sutilezas. 
No entanto, fascinar ainda é seu esporte predileto. Quando sai, o que não acontece com muita frequência, volta a vestir a personagem e vai, suavemente, espargindo resquícios de feromônios por onde passa. Majestática. Porém, fingindo indiferença. Maior a experiência, mais aprimorada a perversidade. Compensação, talvez, para a perda do antigo glamour.
Fico imaginando que prazer exótico advém de tão estranha compulsão. Já ela... ah, ela segue sua existência insistindo em erotizar sonhos alheios. 
Angela Cristina Fonseca, 16/09/2014

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