(imagem do google)
Certa
vez, há alguns bons anos, uma amiga querida, que conhecia um significativo
pedaço da minha vida e também parte do que se passava na minha alma – ela sempre
teve um olhar arguto e sensível -, disse-me algo de nunca mais me esqueci. “Você
é uma flor de lótus”. Estávamos dentro do seu carro, à porta de minha casa,
voltando do trabalho. Chamei-a para entrar e tentar esclarecer aquela frase,
mas a amiga, de nome Fátima B., agradeceu, beijou-me o rosto e despediu-se,
olhando fixamente para mim com seus olhos invariavelmente brilhantes.
Ainda
aturdida com aquelas palavras, depositei meu material sobre a mesa – acabara de
dar aulas -, comi alguma coisa e entrei num banho. Abri a torneira e deixei
descer a ducha quentinha. Quanta coisa já viera à tona ali, naquele lugar cheio
de vapor e silêncio...
“Você
é uma flor de lótus”. Uma flor... bem, sim! Sou mulher, soprou-me a razão. Mas
de lótus? Por quê? Minha simpatia pelos sistemas de crenças orientais,
certamente! A razão de novo. Na verdade, encontrava-me a anos-luz da compreensão.
Para os hinduístas, a Índia não é um país, é uma cultura, uma das mais velhas e
estáveis da terra. Alberuni, sábio muçulmano do século XI, que dedicou treze
anos ao estudo daquele povo, afirmou: “O leitor deve sempre ter presente o fato
de que os hindus são inteiramente diferentes de nós, em todos os sentidos...”
Por exemplo, a lei hindu de causa e efeito, conhecida como carma, não é um código
humano ou divino. É, sim, uma lei natural, tão impessoal, imparcial e inexorável
quanto à lei da gravidade. Assim sendo, cada um de nós é responsável pelo que
pensa, fala ou faz e pelas próprias escolhas. Justiça.
Uma
das práticas do hinduísmo é a meditação, o não-pensar, o esvaziamento da mente. Foi o
que fiz ali, naquele momento de paz. Perdi a noção do tempo. Foquei nos meus vórtices
de energia ao longo da coluna vertebral e suas respectivas cores. Despontaram,
então, as flores de lótus, cada qual com seu número de pétalas, de acordo com
cada vórtice. Logo depois surgiu um rio manso, que, mesmo cheio de lodo e
podridão, estava coberto daquelas flores, puras, perfeitas.
Sumiram,
repentinamente, as imagens e saí do estado meditativo. Finalmente, comecei a
compreender a mensagem. Eu era alguém que viera do lodo, da pobreza, da falta –
minha família possuía recursos materiais limitados. Não foi um começo fácil. Mas houve amor sem conta. Sou
a terceira filha de minha mãe, que sofrera com dois abortos naturais antes de
minha chegada. Deram-me o nome de Angela, assim, sem o acento circunflexo, porque minha mamma descendia de italianos. Em grego, Angela quer dizer a mensageira. Com o passar do tempo,
tornei-me, realmente, uma flor de lótus, a pureza e a beleza que brotou da lama,
porque a vida me ofereceu algumas oportunidades e eu não as deixei passar. Tive
uma educação primorosa, a sorte de conviver com gente de bem ao longo do caminho e, a despeito dos percalços - quem não os tem? -, vou conseguindo seguir o rio límpido
que se tornou a minha vida.
Quero
deixar esta história, verdadeira, como um mimo de fim de ano para todos os meus
amigos. Aprendi a lição do amor e da esperança. Creiam, somos maiores que nós.
Do
estrume brota o alimento, da compostagem de restos nascem flores e frutos. A
natureza é sábia. O universo, os orbes, nosso amado planetinha azul, cada um de
nós, pedras, plantas, animais e humanos somos energia. E ela não se perde, mas está
sempre se renovando.
FELIZ
ANO NOVO!
Em tempo: o
significado do nome Fátima é “a mulher que
realizou seus filhos no caminho do conhecimento divino.” Por caminhos
desconhecidos, mas traçados antecipadamente pela vida, ela aproximou-se de mim
e deixou algo.