domingo, 15 de maio de 2016

O REI E OS AMIGOS DO REI

(imagem do google)

No início da década de 1970 vivi na cidade do Rio de Janeiro. Trabalhava como tradutora e fazia uns “frilas” para a revista Rolling Stone, à época sob a batuta de Luiz Carlos Maciel. Conheci gente interessante: Jards Macalé, Novos Baianos, Sdenek Hampl, Zózimo Bulbul, Jorge Mautner, o insipiente grupo de teatro Asdrúbal Trouxe o Trombone... Tempos lisérgicos, embora repressivos e duros. Certa noite fui ver a peça “As três irmãs”, de Anton Tchekhov, com o Grupo Oficina, sob a direção do bruxo louco e genial José Celso Martinez Corrêa. Já havia lido sobre a peça “O Rei da Vela”, de Oswald de Andrade, encenada pelo mesmo grupo e o mesmo diretor e fiquei interessadíssima. O texto de Tchekhov, grave, pedia figurino austero e cenário econômico, quase sombrio. Produção impecável. O final, no entanto, foi apoteótico. Enquanto o elenco desmontava a cena, José Celso pendurou-se em um arco, preso ao teto por uma corda, e pos-se a balançar-se sobre o público dizendo: “Gente, isso é tudo mentira! É tudo teatro!” A plateia veio à loucura.
A memória traz-me de volta esses fatos à reflexão neste momento porque, além de ter que lidar com uma censura impiedosa e arbitrária, produtores da cultura, àquela época, tinham de buscar a viabilização de seus projetos por contra própria, junto aos poucos agentes fomentadores disponíveis.
Na semana passada, com Michel Temer assumindo o governo interinamente, houve espanto e mal-estar pela fusão dos Ministérios da Educação e da Cultura, trazendo de volta o antigo MEC. A reação foi imediata: artistas e  intelectuais, sobretudo de esquerda, se juntaram em um abraço simbólico no prédio e enviaram um manifesto a Temer, cobrando a volta do MinC. Ele, cedendo à pressão, decidiu, então, criar uma Secretaria de Cultura ligada à Presidência, porém, sem status de ministério. A imprensa já especula a respeito do nome que irá comandá-la, talvez uma mulher, o que atenderia a duas reivindicações emergentes.
Duas questões se me impõem e preocupam e quero partilhá-las. A primeira é: quem será o/a secretário/a da cultura? Dependendo de quem ocupe o cargo, poderemos ter que enfrentar uma tentativa da esquerda radical e retrógrada de lançar, de novo, seus tentáculos e reaparelhar o Estado brasileiro com seus quadros. A segunda é, em parte uma consequência da primeira: ressuscitar o MinC para que um mesmo grupo de artistas e intelectuais, a maioria com popularidade suficiente e capacidade para obter recursos da iniciativa privada, ou, até mesmo, de bancar seus projetos, continue a viver – e a enriquecer – sob as asas do Estado, só por serem “amigos do rei”, em detrimento dos verdadeiros órfãos da cultura, aqueles que, de fato, necessitam dos subsídios para tocarem projetos de relevância indiscutível para o Brasil. Estes ficarão, maquiavelicamente, à míngua.
Se assim for, veremos alguém pendurar-se em um arco, preso no alto por uma corda, a balançar sobre nós, cidadãos brasileiros, e a repetir, freneticamente: “Gente, isso é tudo mentira! É tudo teatro!”