Enquanto a lua mingua no céu, na
Terra um antigo relógio biológico põe-se a trabalhar em ritmo de equinócio. As
águas chegam muito timidamente para essa época do ano nas Minas Gerais. No
entanto, a primavera, sem se preocupar com as condições atmosféricas, está
pronta para agir.
Há uma névoa tornando a atmosfera
mais densa e a chuva não deve tardar. Desço a serra da Moeda, em direção ao
sítio. Felizmente, desta vez não tivemos queimadas, apesar de um incêndio
próximo haver destruído grande parte da serra do Rola Moça. Sensação de dejà vu: gente irresponsável e criminosa que ateia
fogo às matas, dizimando ecossistemas inteiros. Uma lástima.
Porteira a dentro, já posso perceber
a renovação. Sinto um sutil cheiro de verde no ar. Descarregado o carro e tudo
acomodado, saímos andando para uma vistoria geral. Muito mato seco, sedento, é
verdade. Entretanto, aqui e ali, apontam brotos novos nos troncos
recém-aparados das dracenas e no bambuzal. As mangueiras começam a frutificar,
embora devam produzir menos que em outros anos, por falta de chuva. Aliás, se
ela não chegar logo, as jabuticabeiras, cobertas de frutinhas ainda
esverdeadas, poderão ver perdida a sua generosa produção. Bananas temos, por
serem um fruto perene, e muito limão rosado - que alguns conhecem por outro
nome, bem esquisito por sinal -, aquele da casca alaranjada, com bastante
caldo. Dizem que ajuda no controle da pressão sanguínea, mas eu bebo o suco
para alcalinizar o estômago. Meu verdadeiro xodó, um pé de limão siciliano,
cuja muda tive o prazer de plantar e da qual cuidei com dedicação e muita
paciência, frutificou prodigamente este ano e já vem abotoando todo de novo.
As plantas mais resistentes começam a
exibir suas flores. Há lanterninhas chinesas (Abutilon striatum) por todo lado. A moita de Bela-Emília (Plumbago) – outro xodó – exibe suas
florinhas de um azul bem claro, miudinhas mas inebriantes, assim como os
jasmineiros. Lembro-me de quando era menina e vivia procurando alguma planta
que desse flores azuis. Só muitos anos depois fiquei conhecendo as hortênsias, que
florescem no inverno, e recentemente essa lindeza com nome de mulher. Do lado
da casa que dá para a mata vários pés de manacá pintalgam o verde de branco,
lilás e roxo e enchem o ar de um aroma adocicado As roseiras, podadas em
agosto, reverdecem e, em breve, estarão floridas. Já azaleias, helicônias e
buganvílias exibem a luxúria de suas floradas. E o chão começa a cobrir-se de
vedelias, zebrinas e suzanas-de-olhos-negros (Thunbergia alata).
Cigarras iniciam sua estridente
algazarra, avisando-nos que vai chover, mas como as fileiras de formigas
correição ainda não se formaram, deve demorar mais alguns dias para as
abençoadas águas batizarem o solo. Sabiás já construíram seu ninho na varanda
de casa, as gralhas se fartam com as frutinhas de uma árvore ali chamada de cabotá(?) e um calango-fêmea grávido passeia seu barrigão pelas paredes sem a
menor cerimônia.
Diante de orquestração tão afinada, é
possível constatar, a cada ano, que a Terra não precisa de nós e que,
independente e apesar da nossa intervenção, por vezes tão predatória, o relógio
biológico da Natureza segue marcando o tempo e refazendo a vida.